CENA 1 – INTERIOR, QUARTO ESCURO, NOITE
O som de um relógio de parede marca os segundos de forma quase hipnótica. O quarto está desarrumado, com roupas espalhadas e papéis amassados pelo chão. A luz fraca de um abajur ilumina o rosto de Rafael, sentado na cama. Ele encara o vazio, perdido em seus próprios pensamentos.
Uma gota de suor escorre por sua testa, enquanto seu olhar vacila entre a porta do quarto e o espelho à sua frente.
NARRAÇÃO (voz de Rafael):"Parece simples. Levantar, atravessar a porta, seguir em frente. Mas sempre tem algo. Uma voz, uma sombra, alguma coisa que me prende. Sou eu... sou sempre eu."
CENA 2 – INTERIOR, MESMO QUARTO, MANHÃ
Rafael continua na mesma posição, agora com o olhar vidrado no relógio. Ele levanta a mão, como se fosse se mexer, mas logo a abaixa, o corpo pesado, imobilizado.
NARRAÇÃO (voz de Rafael):"Eu digo para mim mesmo que amanhã vai ser diferente. Amanhã eu vou levantar. Amanhã eu vou fazer algo... Mas quando o amanhã chega, é igual ao hoje. Como se cada dia fosse uma repetição de quem eu tento não ser."
CENA 3 – INTERIOR, ESPELHO, ILUSÃO
Rafael se levanta de repente, como se puxado por um fio invisível, e caminha até o espelho. Ao se encarar, vê um reflexo diferente. Não é ele — ou é? O reflexo sorri de uma maneira perturbadora, quase desdenhosa. Rafael se aproxima, hesitante, e toca o vidro.
REFLEXO (rindo):"Você acha que pode escapar? Sempre acha. Cada vez que tenta, volta pra mim. Eu sou você, Rafael. Sou a verdade que você se recusa a ver."
RAFAEL (com voz trêmula):"Eu... eu posso mudar. Eu vou sair daqui."
O reflexo balança a cabeça lentamente, como se Rafael fosse uma criança que acabou de dizer uma bobagem.
REFLEXO (calmo, cortante):"Vai mesmo? Quantas vezes já disse isso? Quantas vezes já prometeu a si mesmo que ia ser diferente? No fundo, você não quer. Tem medo de quem poderia ser fora desse quarto, fora dessa prisão que criou pra si mesmo."
Rafael recua, respirando pesadamente, mas não consegue desviar o olhar do espelho. O reflexo ainda o encara, agora mais sério.
RAFAEL (gritando):"Você não é real! Não pode me prender aqui!"
REFLEXO (rindo alto):"Não sou real? Sou o único que é. Você se prende, Rafael. Você é sua própria prisão."
CENA 4 – INTERIOR, QUARTO, MANHÃDe volta à realidade. Rafael está deitado na cama novamente, os olhos fixos no teto. O relógio continua a marcar os segundos. Ele olha de relance para a porta. Algo diferente em seus olhos — uma faísca de determinação, mas cercada pelo mesmo medo sufocante.
NARRAÇÃO (voz de Rafael):"Se eu pudesse sair... Se eu conseguisse quebrar o ciclo. Talvez lá fora seja pior, ou talvez... talvez eu seja pior. Mas aqui dentro, eu estou parado. Congelado. Aqui, nada muda... e esse é o verdadeiro pesadelo.
A câmera se aproxima lentamente do rosto de Rafael, enquanto ele fecha os olhos. A respiração lenta e pesada domina o som, até que o silêncio toma conta.
CENA 5 – INTERIOR, QUARTO, TARDE
A porta do quarto se entreabre levemente. Um fio de luz solar invade o ambiente. Rafael continua deitado, mas seus olhos agora estão abertos, fixos na porta.
Ele se senta lentamente, encarando o chão por alguns segundos. Então, com esforço, levanta-se e dá um passo. Apenas um.
NARRAÇÃO (voz de Rafael):"Amanhã... Talvez amanhã seja diferente."
FADE OUT.
FIM